Zélia Gattai: uma "menina atrevida".
O livro escolhido da vez é o "Anarquistas, graças a Deus" de Zélia Gattai (versão da Ed. Record, 1979).
Os pais de Zélia casaram-se muito cedo, Angelina com 15 anos e Ernesto com 18 anos.
O livro possui um tom memorialista, trazendo as lembranças da infância e adolescência de Zélia Gattai. No contexto das memórias de Zélia, o livro também apresenta um pouco sobre a história da cidade de São Paulo e da imigração italiana.
Logo nas primeiras páginas é possível perceber que se trata de uma leitura direta, sem muitos rodeios e com uma boa dose de humor. Dividido em pequenos capítulos, aos poucos, somos levados para dentro do universo da família Gattai, no início do século XX em São Paulo.
Com relatos de momentos marcantes da sua infância, Zélia faz um retrato de uma família típica italiana daquela época, que sem dúvida nos lembrará um pouco de famílias conhecidas.
Os pais de Zélia casaram-se muito cedo, Angelina com 15 anos e Ernesto com 18 anos.
Um dos personagens centrais na narrativa de Zélia é o seu pai, Ernesto Gattai, filho de Francisco Arnaldo Gattati, avô de Zélia, que veio para o Brasil em busca de construir uma sociedade anarquista chamada "Colônia de Cecília" (que se tratava da "Colônia Socialista Experimental", liderada pelo Dr. Giovanni Rossi, pseudônimo Cárdias, que recebeu terras doadas por D. Pedro II para realizar o seu experimento - pasmem!; p. 151-159. Para saber mais: Colônia Cecília - uma experiência anarquista no Brasil) .
Ernesto tenta seguir os ideais anarquistas do pai, se guiando por valores libertários e democráticos. Contudo, em relação aos costumes, parece manter uma postura bastante tradicional. Embora seja um pai carinhoso e protetor (principalmente da caçula Zélia), é um pai "de seu tempo". Ele é o pai provedor, que busca passar respeito e ensinamentos às/aos filhas/os, mas reproduz a divisão sexual dos trabalhos domésticos e os padrões morais da época (um exemplo cômico de como o sr. Ernesto era conservador nos costumes é a passagem em que Zélia relata que o pai exigia o comparecimento de suas filhas no portão de sua casa no Carnaval no intervalo de cada uma hora, mas para os seus filhos não exigia o mesmo tipo de compromisso).
Ernesto tenta seguir os ideais anarquistas do pai, se guiando por valores libertários e democráticos. Contudo, em relação aos costumes, parece manter uma postura bastante tradicional. Embora seja um pai carinhoso e protetor (principalmente da caçula Zélia), é um pai "de seu tempo". Ele é o pai provedor, que busca passar respeito e ensinamentos às/aos filhas/os, mas reproduz a divisão sexual dos trabalhos domésticos e os padrões morais da época (um exemplo cômico de como o sr. Ernesto era conservador nos costumes é a passagem em que Zélia relata que o pai exigia o comparecimento de suas filhas no portão de sua casa no Carnaval no intervalo de cada uma hora, mas para os seus filhos não exigia o mesmo tipo de compromisso).
A conduta de Ernesto Gattai chama atenção no livro porque ele é uma figura muito exaltada por Zélia, que o vê quase que como um bastião dos valores anarquistas da família Gattai. Por outro lado, a ordem dos papéis dentro de casa, salvo raríssima exceções, é a ordem convencional: às mulheres os serviços domésticos e a espera de um marido; aos homens o auxílio dos negócios paternos. O sr. Ernesto possivelmente era mais "liberal" do que muitos homens de seu tempo, já que ele e sua esposa Angelina participam do meio anarquista e sindical, mas a percepção sobre as desigualdades entre homens e mulheres parecem passar despercebidas.
É claro que estou lendo esse livro com os olhos da época em que vivo e talvez pouco poderia esperar do sr. Gattai. Mas há passagens no livro que falam por si próprias e revelam as restrições vividas pelas mulheres Gattai, ainda que não nomeadas claramente por Zélia. Vejamos:
"Daí por diante, fora orientada para tornar-se boa dona de casa, mãe de família exemplar. Aos dezesseis anos já sabia cozinhar, costurar, fazer chapéus, flores de papel e de tecido, crochê, tricô e bordados. Não havia trabalho manual nenhum que Wanda [irmã mais velha de Zélia] não soubesse fazer: "mãos de fada", diziam. Moça prendada" (p. 108) - Destacar essa passagem não tem o propósito de afirmar que existe algum problema em saber realizar trabalhos manuais, ainda mais para quem gosta de realizá-los. A questão é atribuir esses "dons" como inatos às mulheres e afirmar que somente elas poderão ser capazes de executá-los da melhor forma ou de se interessar por eles. A própria Zélia dirá que não "nasceu" para executar os trabalhos doméstico, assim, como sua mãe não gostava e "não levava jeito para cozinha" (o que aliás, trazia um certo desgosto para o o seu pai como será exposto a seguir).
"Um dia cansada de ouvir papai falar em 'situação difícil', Wanda anunciou que estava disposta procurar um emprego; mesmo que ganhasse pouco, sempre daria para ajudar a família. A prima não trabalhava? Essa declaração da filha quase ofendeu seu Ernesto. Ele jamais consentiria que filha sua trabalhasse para ganhar dinheiro: 'Lugar de mulher é em casa, aprendendo a cozinhar. No fundo, papai devia ser um homem frustrado. Sua mulher não conseguiria jamais apegar-se à cozinha, coisa fundamental para o marido. Não conseguia também engordar. Sempre fora esbelta, magra. Ao referir-se a uma mulher bonita, jamais deixava de empregar o adjetivo 'gorda'". (p. 210-211). - Essa passagem é muito elucidativa porque mostra de forma clara as contradições do sr. Gattai. Apesar dos ideais anarquistas de liberdade e autonomia do individuo não considerava a ruptura dos papeis e lugares atribuídos a homens e mulheres. Sem dúvida, Zélia fala de outro tempo em que os negócios eram praticamente familiares e os bens de consumos não eram vendidos como hoje, o que de certa forma criava maiores obstáculos para superar a divisão sexual do trabalho. Mas será que, ainda hoje, resquícios desse pensamento não perduram? Será que a figura do pai de Zélia, lembrada com tanto carinho, sem denunciar suas contradições e omissões, não é ainda muito reverenciada como a figura de um "bom pai"? (destaca-se um dos curtos capítulos chamado "papai, o gigante", que retrata uma passagem em que o pai contraria a mãe e leva Zélia ao cinema) Cada vez mais se buscam por pais presentes no cuidado dos/as filhos/as e que dividam os os trabalhos domésticos, mas será que a ideia do pai protetor (principalmente das "meninas") ainda não permanece no nosso imaginário? O que ela nos diz?
A passagem citada acima, além de falar sobre a distribuição dos papéis domésticos, diz muito sobre a negação do trabalho doméstico enquanto atividade produtiva. O sr. Ernesto não admitia que "filha sua" trabalhasse para ganhar dinheiro, mas dentro de casa Wanda tinha que ser exímia cozinheira como se o "cozinhar" fosse uma função natural e obrigatória das mulheres e não merecesse um reconhecimento econômico, ou que o valor dessa função somente está ligado a satisfação do marido/pai. E mais: parece que não se tratava de uma preocupação generalizada com o objetivo (equivocado, se o fosse) de proteger as mulheres da exploração do trabalho salariado, mas uma preocupação exclusiva com suas filhas, que deveriam se destacar, pertencer a uma "classe distinta" de mulheres. Essa divisão de classe entre as próprias mulheres fica nítida quando a família Gattai contrata a "Maria negra":
"Maria negra chegou em nossa casa um mês antes de meu nascimento, seria minha pagem. (...) Por que Maria Negra e não Maria Conceição, seu nome era este? Não foi certamente por racismo que lhe deram esse apelido, isso não! Aquele era uma casa de 'livre pensadores' anarquistas" (p. 21).
O trecho acima irá trazer um tema não problematizado no livro: o emprego doméstico exercido por mulheres e meninas negras. Zélia e a família Gattai parecem tratar Maria Negra de forma respeitosa. Ela participa da dinâmica familiar, vai ao cinema e dá palpites sobre os assuntos familiares. Wanda, irmã de Zélia, a ensina ler. Angelina lhe ajuda quando fica grávida. Mas, na verdade, a história da Maria Negra é o retrato de muitas mulheres negras que precisaram se inserir nos trabalhos domésticos para sobreviver após a escravidão. A relação da família Gattai com a "Maria Negra" demonstra que a família Gattai, apesar de ser crítica as instituições burguesas, também estava presa as estruturas raciais e classistas de sua época e tinha suas limitações.
As figuras das professoras "solteironas", como Dona Maria Luiza Vergueiro, também nos relembra a maior dificuldade das mulheres serem respeitadas no espaço público quando não eram casadas e de não serem julgadas por isso.
A passagem citada acima, além de falar sobre a distribuição dos papéis domésticos, diz muito sobre a negação do trabalho doméstico enquanto atividade produtiva. O sr. Ernesto não admitia que "filha sua" trabalhasse para ganhar dinheiro, mas dentro de casa Wanda tinha que ser exímia cozinheira como se o "cozinhar" fosse uma função natural e obrigatória das mulheres e não merecesse um reconhecimento econômico, ou que o valor dessa função somente está ligado a satisfação do marido/pai. E mais: parece que não se tratava de uma preocupação generalizada com o objetivo (equivocado, se o fosse) de proteger as mulheres da exploração do trabalho salariado, mas uma preocupação exclusiva com suas filhas, que deveriam se destacar, pertencer a uma "classe distinta" de mulheres. Essa divisão de classe entre as próprias mulheres fica nítida quando a família Gattai contrata a "Maria negra":
"Maria negra chegou em nossa casa um mês antes de meu nascimento, seria minha pagem. (...) Por que Maria Negra e não Maria Conceição, seu nome era este? Não foi certamente por racismo que lhe deram esse apelido, isso não! Aquele era uma casa de 'livre pensadores' anarquistas" (p. 21).
O trecho acima irá trazer um tema não problematizado no livro: o emprego doméstico exercido por mulheres e meninas negras. Zélia e a família Gattai parecem tratar Maria Negra de forma respeitosa. Ela participa da dinâmica familiar, vai ao cinema e dá palpites sobre os assuntos familiares. Wanda, irmã de Zélia, a ensina ler. Angelina lhe ajuda quando fica grávida. Mas, na verdade, a história da Maria Negra é o retrato de muitas mulheres negras que precisaram se inserir nos trabalhos domésticos para sobreviver após a escravidão. A relação da família Gattai com a "Maria Negra" demonstra que a família Gattai, apesar de ser crítica as instituições burguesas, também estava presa as estruturas raciais e classistas de sua época e tinha suas limitações.
As figuras das professoras "solteironas", como Dona Maria Luiza Vergueiro, também nos relembra a maior dificuldade das mulheres serem respeitadas no espaço público quando não eram casadas e de não serem julgadas por isso.
A mãe de Zélia, sra. Angelina, claramente é retrata como uma figura censuradora, como alguém que não a compreende e adverte seus comportamentos "atrevidos". O livro praticamente abre e fecha com esse bordão da senhora Angelina: "atrevimento". Segundo a Zélia (p.10), na falta de melhor palavra, sua mãe utilizava "atrevimento para tudo: coragem, audácia, heroísmo, destemor, obstinação, irresponsabilidade e atrevimento mesmo". Ao fechar o livro, Zélia escreve que se sua mãe estivesse viva, ao ler seu livro, a chamaria de "menina atrevida". Apesar de Zélia dar um tratamento cômico ao uso da palavra "atrevida" pela mãe, ouso dizer que o atrevimento de Zélia atribuído pela mãe, em diversos momentos do livro, está relacionado também ao fato de Zélia não se comportar seguindo as expectativas vinculadas a uma menina. Zélia sempre nos conta que sua mãe ficava impressionada com suas posturas corajosas, como quando declama poesias na frente de todos ou se matricula sozinha na escola. Parece que o atrevimento também está relacionado ao fato de Zélia não ter uma postura passiva e complacente como era esperado das meninas de sua época. Por outro lado, nesses momentos, o pai Ernesto lhe acolhe e acoberta seus "atrevimentos", que praticamente demonstram uma ruptura com as barreiras estabelecidas entre homens e mulheres. É impossível não se simpatizar com o pai por ele aceitar e corroborar o "atrevimento" da filha.
Nessa linha, é fácil compreender quando Zélia relata que a sra. Angelina não flertava com as tendências feministas da época. Segundo Zélia, a mãe entendia o feminismo como uma "luta" das mulheres contra os seus maridos - como infelizmente ele ainda é compreendido por algumas mulheres. O trecho a seguir retrata esse momento tragicômico:
"Berta Lutz, por essa época, conclamava as mulheres à luta pela emancipação feminina. Mamãe e Wanda haviam recebido uma visita de Maria Préstia, filha mais velha de uma família italiana numerosa, habitante antiga do bairro, convidando-as a tomar parte em manifestação feminista. Maria Préstia era exaltada discípula de Berta Lutz, mas parece que não conseguiu nada lá em casa. Mamãe, por fora do assunto e de pé atrás com os movimentos feministas, não se julgava oprimida, não queria lutar contra o marido" (p. 245).
Na verdade, essa passagem revela duas questões importantes: (1) como o anarquismo e todas as teorias sociais da época era dominadados por uma visão androcêntrica e não tratavam dos problemas vividos pelas mulheres e demais minorias políticas; (2) como os movimentos feministas sempre foram tachados como um movimento de combate aos homens. É importante que Zélia mencione que sua mãe estava por fora do assunto, porque o movimento feminista capitaneado por Berta Lutz não se resumia a opressão vivida pelas mulheres dentro de casa, mas a falta de cidadania das mulheres que não podiam votar na época. Berta Lutz lutou pelo direito ao voto das mulheres somente incluído na Constituição Brasileira de 1934 para as mulheres alfabetizadas (Sobre o tema: Bertha Lutz e o voto feminino).
Nessa linha, é fácil compreender quando Zélia relata que a sra. Angelina não flertava com as tendências feministas da época. Segundo Zélia, a mãe entendia o feminismo como uma "luta" das mulheres contra os seus maridos - como infelizmente ele ainda é compreendido por algumas mulheres. O trecho a seguir retrata esse momento tragicômico:
"Berta Lutz, por essa época, conclamava as mulheres à luta pela emancipação feminina. Mamãe e Wanda haviam recebido uma visita de Maria Préstia, filha mais velha de uma família italiana numerosa, habitante antiga do bairro, convidando-as a tomar parte em manifestação feminista. Maria Préstia era exaltada discípula de Berta Lutz, mas parece que não conseguiu nada lá em casa. Mamãe, por fora do assunto e de pé atrás com os movimentos feministas, não se julgava oprimida, não queria lutar contra o marido" (p. 245).
Na verdade, essa passagem revela duas questões importantes: (1) como o anarquismo e todas as teorias sociais da época era dominadados por uma visão androcêntrica e não tratavam dos problemas vividos pelas mulheres e demais minorias políticas; (2) como os movimentos feministas sempre foram tachados como um movimento de combate aos homens. É importante que Zélia mencione que sua mãe estava por fora do assunto, porque o movimento feminista capitaneado por Berta Lutz não se resumia a opressão vivida pelas mulheres dentro de casa, mas a falta de cidadania das mulheres que não podiam votar na época. Berta Lutz lutou pelo direito ao voto das mulheres somente incluído na Constituição Brasileira de 1934 para as mulheres alfabetizadas (Sobre o tema: Bertha Lutz e o voto feminino).
Apesar do feminismo não ter adentrado o espírito anarquista da família Gattai, Zélia diz que seus "pais eram muito chegados a uma reunião política", no capítulo intitulado "Classes Laboriosas" (p. 173). Nesse capítulo, Zélia relata que ainda pequena ajudava na venda de jornais sindicais e adorava participar das festividades do 1º de maio. Mas nem todo trajeto da família Gattai na política foi festivo. Há uma passagem muito importante e atual sobre a perseguição política em tempos do Estado Novo que nos remete ao momento político atual (p. 241-242):
"Soube-se logo ser o cidadão inspetor da Polícia Política e Social [o vizinho da família Gattai]. 'Um tira', disse papai contrafeito. Ele nunca tivera tanta razão como ao se contrariar com a informação. Seria exatamente com o nosso vizinho, Luiz Apolônio, que iria defrontar-se, alguns anos mais tarde, na implantação do Estado Novo, em 1937, no cárcere, preso pela polícia política, acusado de 'comunista perigoso'. Na época do Estado Novo, bastava uma denúncia ou simples suspeita para que uma casa de família fosse cercada por enorme aparato bélico, policiais apontando metralhadoras, os lares invadidos - a qualquer hora do dia e da noite - por policiais armados, pais de família arrancados de seus leitos e arrastados para as masmorras, para o porão úmido e escuro da Delegacia da Ordem Política e Social, incomunicável. Foi o que aconteceu à minha família, foi o que aconteceu a meu pai. O chefe das 'batidas', o perito nos interrogatórios era nosso ex-vizinho Luiz Apolônio. Provas de acusação: armas - a velha espingardas de caça, pendurada em seu lugar de sempre, atrás da porta -, farto material subversivo, constituído pelos volumes de nossa pequena e manuseada biblioteca. Livros de Victor Hugo: 'Os trabalhadores do mar','Os miseráveis','Norte-dame de Paris'; Emile Zola: 'Acuso!'; 'Thereza Raquin', 'Germinal'; de Pietro Guori, 'Dramas Anarquistas', relíquias sagradas de dona Angelina - com a agravante de serem todos os volumes encadernado em vermelho, encadernações bastante desbotadas pelo temo, mas na cor proibida."
A citação acima é a única passagem que Zélia dedicará para relatar sobre a perseguição política sofrida por sua família anos depois do período retratado pela autora no livro. Essa passagem é muito atual, porque estamos vivendo tempos de intolerância política e de re-ascensão da figura do "caça-comunista".Quando Zélia, já quase no final no livro, revela que seu pai foi perseguido pelos livros que possuía, provoca uma reação de repulsa aos governos ditatoriais que perseguem as pessoas a fim de proibir o livre pensamento e a liberdade de expressão. Depois de 200 páginas conhecendo a família Gattai, sabemos que se trata de uma família inofensiva e dedicada aos ideais de liberdade, beirando ao absurdo a prisão de Ernesto.
Embora Zélia ressalte em todo o seu livro o passado anarquista da família Gattai e o engajamento anarquista dos pais, traz em poucas passagens o que significava para os seus pais os ideais anarquistas. De forma rápida, menciona o ateísmo do pai (que não é imposto aos/as filhos/as); o quadro símbolo no anarquismo na sala de jantar; as idas as atividades sindicais; e a recusa do sr. Gattai em comprar uma casa própria, como uma forma de não se render a uma propriedade privada (embora fosse dono de uma oficina e participasse de uma sociedade anônima). Penso que Zélia não estava preocupada em trazer de forma clara quais eram os ideais dos pais, mas demonstrar, com uma narrativa e leve, as alegrias e tristezas de uma família que tentou viver seguindo princípios diversos daqueles impostos pelo discurso dominante. Ao final, retomando as palavras de sua mãe, poderíamos dizer que a mensagem que fica de Zélia é "tenham mais atrevimento!".
A citação acima é a única passagem que Zélia dedicará para relatar sobre a perseguição política sofrida por sua família anos depois do período retratado pela autora no livro. Essa passagem é muito atual, porque estamos vivendo tempos de intolerância política e de re-ascensão da figura do "caça-comunista".Quando Zélia, já quase no final no livro, revela que seu pai foi perseguido pelos livros que possuía, provoca uma reação de repulsa aos governos ditatoriais que perseguem as pessoas a fim de proibir o livre pensamento e a liberdade de expressão. Depois de 200 páginas conhecendo a família Gattai, sabemos que se trata de uma família inofensiva e dedicada aos ideais de liberdade, beirando ao absurdo a prisão de Ernesto.
Embora Zélia ressalte em todo o seu livro o passado anarquista da família Gattai e o engajamento anarquista dos pais, traz em poucas passagens o que significava para os seus pais os ideais anarquistas. De forma rápida, menciona o ateísmo do pai (que não é imposto aos/as filhos/as); o quadro símbolo no anarquismo na sala de jantar; as idas as atividades sindicais; e a recusa do sr. Gattai em comprar uma casa própria, como uma forma de não se render a uma propriedade privada (embora fosse dono de uma oficina e participasse de uma sociedade anônima). Penso que Zélia não estava preocupada em trazer de forma clara quais eram os ideais dos pais, mas demonstrar, com uma narrativa e leve, as alegrias e tristezas de uma família que tentou viver seguindo princípios diversos daqueles impostos pelo discurso dominante. Ao final, retomando as palavras de sua mãe, poderíamos dizer que a mensagem que fica de Zélia é "tenham mais atrevimento!".
E não seria essa mensagem final altamente subversiva ainda hoje?
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