"Entre mulheres": debates sobre igualdade.
Cuidado, spoilers!!
Aproveitando o ensejo deste 8 de
março de 2023, incentivo todas as pessoas a assistirem ao filme “Entre Mulheres”,
da diretora Sarah Polley. Vale menção também ao nome em inglês “Women talking”,
que pode ser traduzido como mulheres conversando, mas, logo no início do filme,
já dá para entender que o significado do título pode ser interpretado mais como
mulheres debatendo ou mulheres deliberando. A intenção dessa “conversa entre
mulheres” é passar a imagem de um fórum de discussão formado apenas por
mulheres, sem perder de vista a potência dessa conversa franca e íntima entre elas.
No filme, mulheres de uma
comunidade religiosa isolada são atacadas sexualmente por gerações enquanto
dormem, no entanto, por força das lideranças religiosas e políticas masculinas
desta comunidade, acreditam que são pessoas desconhecidas ou seres
sobrenaturais que provocam aquelas violências. A trama se inicia quando uma das
mulheres (Salomé) descobre que quem as violenta sistematicamente são os próprios
homens da comunidade. Todos conhecidos por elas. Em um primeiro momento, pode parecer
muito bruto esse enredo, mas a alegoria se adequa à situação macro que vivemos
em nossa sociedade. Pesquisa recente realizada pelo Fórum de Segurança Pública
revelou que “uma a cada três mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos
já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-parceiros”[1].
Bem, sofremos violência e conhecemos quem a realiza.
A partir de então, acompanhamos essas
mulheres discutindo o que fazer a partir dessa descoberta. Continuar a viver da
mesma forma, fingindo que está tudo bem? Tentar se contrapor aos agressores? Ou
buscar um novo lugar para viverem sem violência, mas deixando para trás seus
irmãos, filhos mais velhos e amores? Esse dilema discutido no fórum das
mulheres daquela comunidade é uma questão vivenciada cotidianamente por muitas
mulheres que estão em relacionamentos abusivos e violentos. E, é o dilema,
guardada as devidas proporções, que vivemos enquanto sociedade que busca por
maior igualdade entre mulheres e homens. A grande sacada do filme é imaginar
como mulheres deliberariam juntas para sair de uma situação como a narrada.
Cada mulher personagem do filme
revela um pouco das dúvidas e angústias vivenciadas por qualquer mulher em momentos
de ruptura de uma situação de violência. Também questionam sobre a desigualdade
histórica de poder. Em uma passagem bem emocionante, mãe pede desculpa à filha
por não ter a acolhido antes e por ter sido também parte dessa engrenagem. Considerando
que muitas mulheres buscam auxílio a mulheres de sua família e/ou do seu ciclo
de amizade, é importante pensar nessa reconexão entre mulheres – sem culpabilizar
as mulheres, sublinha-se. Contudo, o próprio longa-metragem ficciona que nem
tudo é cor de rosa nessa sororidade feminina. A personagem Mariche ao mesmo tempo
que questiona o julgamento que fazem sobre ela, por ter continuado anos com um
marido violento, também não parece muito disposta ao acolher os surtos de
pânico de Mejal, porque não reconhece que em cada uma a violência impactará de
um modo. Intencionalmente, é no coletivo que esses desentendimentos são desatados
e as personagens percebem que muitos desses pré-julgamentos são estimulados
para afastá-las de si e umas das outras. Depois de anos de violência sistemática,
reconhecem que internalizaram muito da visão patriarcal e de submissão, podendo
inclusive ter sido coniventes em algum momento, mas também reconhecem que não
teriam condições de virarem o jogo sozinhas e que muitas das escolhas feitas foram
marcadas por uma estratégia de sobrevivência. O fórum de discussão se torna um
espaço de acolhimento das próprias falhas e dos limites do que se pode fazer sem
apoio.
Existe um homem aliado durante as
discussões que travam, é o August. Por ser proibido o estudo de meninas na comunidade,
para registrar a ata daquela discussão, precisam da ajuda do professor August,
que outrora foi excomungado da comunidade, porque não aceitavam as ideias de
igualdade propostas por sua mãe. É bem delicada e significante a cena em que
ele serve água fazendo uma concha com a mão para Ona, a quem nutre sentimento
amoroso (não necessariamente correspondido). É a demonstração de que esse lugar
de cuidado e reciprocidade também pode ser assumido pelos homens. O personagem
dele carrega uma esperança na crença de uma parceria de homens na luta por
igualdade, sendo necessário que estes constatem seus erros, cedam seus espaços de
poder e voz, e se comprometam com a mudança.
Fugir seria uma fraqueza? É o
questionamento da sábia Ona. Não se trata de fuga responde alguém, mas de
buscar a segurança para suas filhas. Juntas, mulheres de diferentes gerações, sem
renegar às suas crenças religiosas, elaboram o melhor caminho para assegurar
uma vida sem violência. Se recusam a assumir o poder da mesma forma que os
homens e, neste ponto, até o espírito por vingança punitiva, as vezes propagado
como a única solução, é questionado. Será possível perdoar aqueles homens? Ona
diz que talvez, afirmando que para isso é preciso um lugar seguro, tempo e um
afastamento. Somente assim poderão construir um futuro para suas filhas.
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